[COLISEU: ARENA DA PROVAÇÃO] — STEPHANO D' MOREAU

Legenda:

Ainda era estranho para mim  a forma com que a arena e toda a festividade sanguinária parecia me convidar a participar. Mais estranho ainda era como a noite aflorava todos aqueles instintos que a manhã não me permitia sonhar.

Você é a bela e a fera, lembrei do meu pai me dizendo isso aos berros quando era criança e acabei avançando em uma senhora de idade durante uma cerimonia noturna. E digamos que essa frase me assombra até hoje, pois a cada dia que se passa, mais eu começo a acreditar na sua veracidade.

Mesmo tentando me apegar à parte de mim que se encantava em ver a recuperação e a esperança daqueles que eram considerados imundos e sujos, havia outra parte que ansiava pelo derramamento de sangue, pelo sofrimento, pelo medo e principalmente pelos sacrifícios que as pessoas realizavam para simplesmente se sentirem puras. É possível pensarmos naquele pensamento clichê de que dentro de nós há dois lobos e cabe a você alimentar aquele que você quer que sobreviva: o lobo bom ou o lobo mau.

Bom, naquela noite em específico, no segundo dia do torneio, eu havia tomado a decisão de alimentar o meu lobo mau novamente, representado pela raiva, egoísmo e violência. E tomado por essa decisão, ali eu estava, firmando minhas unhas contra minhas pernas enquanto toda a plateia comemorava mais uma vitória na arena.

O ar de competição e o cheiro de sangue que a arena exalava conquistou rapidamente o meu nariz, fazendo com que eu não contesse a adrenalina que dominava o meu corpo. Quando o juiz começou a solicitar voluntários para a arena, simplesmente corri até o local em gritos, assustando quem estava no meu caminho.

— Você não vai sobreviver lá dentro, você sabe disso né? — Disse um semideus ao me ver adentrando o local.

— Ah será que eu não consigo derrotar ninguém? — Respondi enquanto encenava um certo pânico no olhar e abusava do meu rosto angelical.

— Isso é trabalho para homens fortes, bebê. Você vai apenas se machucar. — Falou o semideus enquanto se aproximava e me envolvia em seu braço. — Deixa que eu te protejo e ganho a luta em sua homenagem.

Em questão de segundos, desferi uma cotovelada na boca do estômago do rapaz, fazendo-o se curvar para frente e começar a xingar.

— Querido, eu não preciso de proteção. — Disse sorrindo cinicamente enquanto passava por ele. — Você que precisa de proteção contra mim!

Ao entrar na arena, não tardou para que o portão do meu adversário se abrisse e uma criatura do submundo saísse de dentro. Entretanto, enquanto eu esperava escutar palmas vindas da plateia e toda a animação ocorrida nas lutas anteriores, apenas murmúrios quebravam a linha do silêncio.

— Estão me subestimando mesmo? — Disse cerrando os dentes em revolta. — Se desejam se surpreender, desafio aceito.

Sedento por sangue, tal como eu, o Ghoul foi quem realizou o primeiro movimento, correndo até minha direção erguendo sua mão direita para trás enquanto mirava um ataque vertical contra meu torso. Mesmo sendo guiada unicamente por seus instintos, eu acreditei fielmente que ele teria mais força de vontade em me matar, mas aparentemente ele também estava me subestimando, visto que errou um ataque básico daqueles sem ao menos eu ter que me defender.

— Eu vou acabar com você. — Respondi bravejando

Tocando no anel de prata que se encontrava na minha mão direita, o mesmo se transformou em uma adaga do mais puro ferro estígio, reluzindo a luz da lua. Ao empunhar Caotic, não tardei em segurar firme a sua empunhadura e tentar desferir um golpe certeiro contra a criatura que estava apenas à poucos metros de distância.

Todavia, talvez por ter tido sede demais ao pote, e movido unicamente pela minha raiva, eu talvez, apenas talvez, também tenha fracassado também no meu golpe. Calculando mal a distância entre nós, acabei por golpear o ar e logo em seguida me desequilibrei devido ao impulso no golpe vertical e mirado no peito da criatura.

Naquele momento eu já queria morrer de vergonha, mas ao ver que cai literalmente nas garras do Ghoul, eu tive a certeza que preferia estar morto do que escutar toda a plateia rindo da minha desgraça. As garras da criatura arranharam o meu braço esquerdo e eu não sabia se era devido a esse ataque ou devido ao cheiro pútrido que aquele ser emanava, mas em questão de segundos percebi minha visão começar a ficar brevemente turva.

Estando bastante próximo devido à minha queda, o Ghoul aproveitou a chance para tentar morder o meu braço, mas novamente ele errou o ataque, mordiscando o ar e baforando sob mim todo aquele ar insalubre. Sentindo meu estômago revirar com aquele cheiro, apenas tentei desferir um ataque com Caotic contra a perna da criatura, para que eu pudesse evitar que a mesma tentasse me golpear novamente.

Entretanto, o cheiro pútrido em conjunto com a minha visão turva atrapalhou a minha tentativa, fazendo com que meu braço fraquejasse no momento do ataque e sequer chegasse a atacá-lo. Nesse momento, escutei as risadas da plateia pairando sobre mim e a pobre criatura. Estávamos sendo vistos como palhaços por entreter aqueles que buscavam impressionar o prefeito e todos os outros semideuses.

Como se o ser do submundo estivesse compartilhando da mesma emoção envergonhada que eu, em um rápido movimento de fúria ele gritou e logo em seguida direcionou suas garras contra o meu peito. Em mais puro reflexo, tentei bloquear o ataque posicionando minha adaga no mesmo sentido do ataque, mas não consegui ser rápido o suficiente.

Em um misto de adrenalina, cinismo e dor, senti as garras rasgarem o meu peito, penetrando a minha pele sem nenhuma cerimônia. Na mesma medida, senti novamente a ardência do seu veneno pútrido adentrar minha rede sanguínea, mas naquele momento, finalmente a plateia havia começado a gritar e o Ghoul encarava o restante dos semideuses com certo orgulho.

— Não se vanglorie demais. — Disse entre gemidos antes de urrar e aproveitar a brecha da criatura para empunhar minha adaga novamente.

Ainda no chão, com o braço esquerdo ferido, e próximo da criatura, segurei fortemente a empunhadura de Caotic e desferi um ataque na horizontal contra o seu peitoral podre. O Ghoul não acreditou que eu seria capaz de realizar qualquer movimento após o seu ataque e foi pego de surpresa quando, mesmo tentando se jogar para trás, a adaga foi mais rápida e cortou tudo que restava do tecido da pele em seu peitoral.

Assim que realizei o movimento, me levantei com um pouco de dificuldade e estabeleci uma breve distância entre nós.

— Parece que finalmente estamos começando a nos entender e permitir que a sede de sangue fale mais alto. — Disse antes de passar a língua na minha lâmina e soltar um breve sorriso.

Tanto eu quanto o Ghoul, gritamos no meio da arena, chamando a atenção do público para nós. Dois seres subestimados grande parte do tempo finalmente mostrariam que eram capazes de entregar uma luta até a morte, o que não demoraria, uma vez que os poucos ataques acertados durante a batalha haviam sido bastante efetivos.

Travando nossos olhares um no outro, observei o Ghoul forçar sua barriga enquanto algo preenchia toda a sua boca fechada. Em questão de segundos, a criatura jorrou um líquido extremamente ácido e fedido em minha direção, me espantando brevemente pela certeza de que qualquer parte do meu corpo seria corroída se aquele líquido podre me acertasse.

— Eu não vou perder. — Gritei antes de me jogar e saltar sorrindo para a direita.

Senti alguns breves respingos do vômito queimarem o meu sapato, mas sequer tive tempo para pensar sobre isso, afinal, a luta tinha que continuar e rápido.

Assim que meus pés tocaram o solo novamente, olhei de relance que parte do chão que foi afetado pelo líquido podre havia dado lugar a um buraco. Se aquilo tivesse me tocado, eu de fato teria morrido, pensei antes de firmar Caotic em minha mão e começar a correr em direção ao Ghoul.

Pegando impulso da corrida, desferi um golpe na horizontal, mirando a lâmina da adaga novamente no peitoral do Ghoul, tentando perfurar ainda mais o ferimento anterior. A criatura tentou bloquear o ataque utilizando seus antebraços, mas acabou sendo lento demais por ainda estar sentindo o impacto de jorrar tanto ácido de uma só vez.

Após o ataque escutei a criatura do submundo urrar de dor, fazendo com que uma bela melodia adentrasse meus ouvidos.

— Eu disse que você estava se vangloriando demais, seu merdinha. — Sussurrei para Ghoul antes de firmar ainda mais a empunhadura de coura em minhas mãos.

Ainda com a adaga fincada no seu peitoral, usei a pouca força que ainda me restava para emendar um segundo golpe. Subindo com a adaga e rasgando toda a criatura de baixo para cima, não medi esforços quando a pressionei com vontade contra o pescoço do Ghoul, separando sua cabeça de seu corpo em questão de segundos.

Com seu corpo indo ao chão, um gás fétido tomou conta do lugar enquanto um sorriso de satisfação estampava meu rosto. Aquel não havia sido minha melhor luta, mas ver grande parte da plateia chocada enquanto batia as palmas, fez valer a pena cada segundo naquela arena.

— Stephano Moreau é o vencedor. — Anunciou o Juiz, fazendo com que eu erguesse a adaga para a lua e consagrava uma lua de sangue.

Observação:

1º Turno:

2º Turno:

3º Turno:

4º Turno: