No intuito de alimentar minha incessante sede por arte, acabei me apegando à culinária. A arte de transformar a matéria da vida e da morte em sua essência. Talvez não seja do meu interesse o suficiente para que eu realmente me dedique de fato, mas ao menos é um passatempo aprazível. Com isso, já faz alguns minutos que estou decidindo entre algumas receitas de doces para fazer. Fazer um mousse seria bem adequado, não é desafiador o suficiente no entanto, talvez uma tartalete, mas seria muito complicado… Cupcakes! Alguns cupcakes seria o ideal, posso caprichar e fazer um merengue de recheio, acho que é isso! Estava extremamente absorvida nesses pensamentos, quando finalmente cheguei a uma conclusão deixei meu quarto vestida elegante, mas simples. No corredor notei a porta do quarto de Amélie aberta e sua ausência, já na sala ela também não se encontrava, talvez tivesse saído. Até que reparo no som de música que vinha do banheiro. Fui educada a agir com classe e, como tal, respeitar a privacidade. Com isso, apenas enviei uma mensagem, imagino que ela vá ver afinal está ouvindo música e deve estar com o celular.
“Vou preparar alguns cupcakes para nós hoje!” com um emoji feliz para tentar parecer simpática foi a primeira mensagem, mas não durou muito até que eu enviasse outra. “Acho que vai ficar pra outro dia” com um emoji triste, mandei após começar a separar os ingredientes que usaria. A farinha e o fermento sobraram da última vez que fiz algo do tipo, leite, ovos e manteiga estavam na geladeira, afinal eram coisas básicas, para o recheio eu tinha alguns limões que usava para fazer limonada. Então me deparei com a falta de açúcar, talvez o ingrediente mais essencial para se preparar um doce era o único que não tínhamos. Dada a minha falta de renda até aquele momento, mesmo que fosse um custo baixo me fazia pensar a respeito, impressionante como fui do topo à base ao vir para Divine Ground. Com ainda alguma esperança mandei ainda mais uma mensagem, mesmo que ela não tenha respondido as primeiras e já esteja lá dentro há um tempo considerável. “Não temos açúcar, será que você não consegue para nós?” com um emoji implorando.
Mais alguns minutos se passavam, já eram quase trinta desde que mandei a primeira mensagem. Então começava a desanimar um pouco sobre preparar os bolinhos e me sentei no sofá lendo Revolução dos Bichos. Deixei as coisas ainda sobre a bancada da cozinha na esperança de que ela resolvesse o problema do açúcar. Até que finalmente Amélie saiu do banho, ela parecia um pouco tonta e passava de toalha no corredor, apesar de não ser algo que me incomodasse eu certamente não faria o mesmo. Ela levantou a ideia sobre os vizinhos — Pode serr uma boa idea! —, afirmei, mas ela seguiu para o quarto sem continuar a conversa. Quando voltou e foi direto até a geladeira ela levantou um ponto relevante, a moeda própria de Divine Ground era realmente uma questão para nós duas. — Esto entrre o que querro, trabalharr na art pela art ou a art de fazer din'erro... —, compartilhei com ela essa preocupação que tinha, entre fazer algo que seria prazeroso ou fazerr dinheiro para poder bancar meus luxos, antes que ela saísse.
